A recente crise orçamentária das universidades estaduais paulistas levantou a necessidade da discussão de novas formas de financiamento para essas instituições, que não apenas as receitas advindas do erário. Na USP, em setembro de 2016, mais de 100% do orçamento da Universidade estava comprometido com a folha de pagamento, comprometendo os investimentos na área de ensino e pesquisa. Criar alternativas, a fim de minimizar tais impactos, é crucial, uma vez que o atraso, relativo ao tema, é evidente.
Uma das ideias que se destaca, e de comprovada viabilidade, é a constituição de Endowments, fundos patrimoniais perpétuos constituídos por doações de pessoas físicas e jurídicas. A ideia é simples: o montante arrecadado é aplicado no mercado financeiro e apenas os lucros advindos deste investimento são revertidos para projetos dentro das próprias universidades.
Tal modelo já é aplicado em inúmeras universidades de referência, a saber; Harvard, Yale, Oxford e MIT. Estas Instituições fecharam 2017 com fundos de investimentos da ordem de bilhões de dólares. Harvard possui o maior deles, com US$ 37 bilhões; o equivalente a 40% do orçamento de sua Faculdade de Medicina, por exemplo, vem dos rendimentos do seu fundo. No Brasil, o Fundo Patrimonial Amigos da POLI, com mais de R$ 10 milhões aplicados, é o mais bem-sucedido fundo, mas com uma quantia tímida se comparada com o exterior.
Trivial na teoria, porém de execução árdua, a criação de fundos de apoio de impacto continua efêmera por aqui. Por que, afinal, o brasileiro não possui a cultura de doação?
Filantropia no Brasil quase sempre remete, erroneamente, a atos de caridade e a ajudar os mais necessitados. Isso não é pouco, mas a filantropia pode ser também base para projetos duradouros, sustentáveis e com sólidos resultados a médio e longo prazo. Lançando mão da mitologia grega, é possível pensar que o grande filantropo foi Prometeu, protagonista que compartilhou o fogo com os mortais, roubando-o da deusa Héstia. Nesse sentido, pode-se afirmar que não foi caridade puramente, mas algo imensurável, o amor pela humanidade, oferecendo-nos um instrumento que provocou uma verdadeira revolução na vida humana.
Analogamente, tal ação não é e não deve ser apenas a caridade pontual. O sistema público educacional pode se beneficiar, de forma substancial, de doações de antigos alunos, de empresas e de benfeitores a fim de complementar seu orçamento para garantir um ensino de excelência e promover inovação com recursos nacionais. Um suspiro ou, se preferir, um fogo a mais para a universidade pública.
Ademais, é notável a força da sociedade brasileira quando esta foca em uma meta, a exemplo disso pode-se citar a Copa do Mundo. Foi emocionante vivenciar um Brasil vibrando com a Seleção. No campo da caridade, grandes campanhas nacionais lançadas pela imprensa mostram que a população está disposta a ajudar, apesar de não haver a cultura de doação bem estabelecida. Um potencial ainda pouco explorado. Gols perdidos.
Assim, nasceu a Associação Fundo de Apoio à Faculdade de Medicina da USP. Pioneira na área médica em escolas brasileiras, o Endowment da FMUSP acredita ser possível construir, em conjunto, uma universidade mais forte. Cada doação, independentemente do valor, contribui para o desenvolvimento de uma medicina de ponta, referência mundial. Os lucros são revertidos, por exemplo, em bolsas de intercâmbio, investimentos em startups, permanência estudantil e inovações.
Quanto antes se iniciar a arquitetura de soluções parecidas, tanto antes bons resultados serão colhidos e alunos serão beneficiados. Quiçá, assim, seja o princípio de um movimento capaz de incendiar - como Prometeu - um verdadeiro espírito filantrópico no país.
Gustavo Rosa Gameiro e Matheus Belloni Torsani são acadêmicos do sexto ano de Medicina da Faculdade de Medicina da USP, diretor-geral e secretário-geral do Endowment FMUSP, fundo patrimonial pioneiro em escolas médicas brasileiras.