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Autópsias minimamente invasivas tornaram-se importantes ferramentas de pesquisa e elucidação de casos

Em 2020, quando a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) lançou a campanha #HCCOMVIDA, a fim de captar doações por parte da sociedade civil para munir seu complexo hospitalar com mais recursos e apoiar os profissionais de saúde envolvidos no enfrentamento à doença.

A campanha mobilizou pessoas físicas, organizações e empresas a contribuírem para o suprimento das demandas levantadas pelas equipes de gerenciamento de crise do HCFMUSP, além de subsidiar projetos de pesquisa científica de diversas especialidades. 

Liderado pelos Profs. Luiz Fernando Ferraz da Silva, Marisa Dolhnikoff e Paulo Hilário Nascimento Saldiva, docentes do Departamento de Patologia da FMUSP, o projeto “COVID-19 - Patogenia em Autópsias" foi um dos contemplados. Entre julho de 2020 e dezembro de 2022, a iniciativa realizou 180 autópsias minimamente invasivas em pacientes com Covid-19 para estudar a patogenia da doença, além de realizar análises moleculares e histopatológicas. 

“Logo que a pandemia começou, as autópsias no estado de São Paulo foram suspensas pela questão da transmissibilidade da doença”, diz o Prof. Luiz Fernando, que também é Diretor do Serviço de Verificação de Óbitos da Capital da USP (SVOC-USP), responsável por todas as autópsias realizadas no complexo do Hospital das Clínicas e pela análise das mortes naturais sem causa definida no município de São Paulo. “Particularmente no surgimento de uma doença nova, a ausência desse exame como ferramenta dificultaria muito nosso processo de compreensão.” 

Para contornar essa limitação, um modelo de autópsia minimamente invasiva que vinha sendo desenvolvido pelo Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina e pelo SVOC-USP desde 2010, foi aplicado a fim de coletar material biológico para estudo. A técnica utiliza meios alternativos como imagens, pulsões e coletas de pequenos fragmentos localizados.

Como resultado desse esforço, mais de 30 artigos foram publicados caracterizando a fisiopatologia da Covid-19, incluindo estudos que mostraram um aumento de trombos nos vasos sanguíneos de pacientes que faleceram pela doença. Isso ajudou a validar a base patológica das observações clínicas, sustentando o uso de anticoagulantes em casos específicos. Além disso, foram identificados reservatórios do vírus em órgãos além dos pulmões, incluindo glândulas salivares, tecidos bucais e coração. Esse processo também levou à descrição de uma síndrome inflamatória multissistêmica em crianças, denominada MIS-C, causada pela disseminação do vírus.

Outro importante desdobramento foi a regulamentação do uso da autópsia minimamente invasiva durante o período pandêmico, que passou a ser recomendada pelo Ministério da Saúde em todo o território nacional e contou com financiamento adicional da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para treinamento específico de patologistas vinculados a serviços de verificação de óbitos. 

De acordo com o Prof. Luiz Fernando Ferraz da Silva, a forma de financiamento utilizada para as pesquisas, envolvendo a sociedade civil e catalisada pela campanha #HCCOMVIDA, foi essencial para que sua equipe conseguisse resultados substanciais naquele momento. “Sem essa oportunidade, talvez tivéssemos perdido o timing para fornecer respostas de maneira célere no contexto da pandemia”, diz o pesquisador. “Além disso, nos preocupamos em dar respostas tão rapidamente quanto a que recebemos através dos recursos doados, gerando uma situação de ganho mútuo.”