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Financiamento do sistema de saúde, regulação, gestão, regionalização, relação público-privado, informação e porta de entrada no Sistema Único de Saúde (SUS) são os grandes desafios do sistema de saúde brasileiro, mostrou o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, na conferência “Saúde e Medicina: uma visão econômica e social”, realizada no dia 30 de setembro no Teatro da Faculdade de Medicina da USP.

A análise sobre a situação do sistema de saúde e sua relação com a economia teve seguimento com os comentários do Dr. Dráuzio Varella, da Profa. Ligia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e do Prof. Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP. O diretor da FMUSP, Prof. Tarcisio Eloy Pessoa de Barros Filho fez a moderação do debate.

É inegável a história de sucesso do SUS em programas como a Estratégia Saúde da Família, programas de combate ao tabagismo e ao HIV/AIDs, a vacinação e o combate à mortalidade infantil, além da popularização dos genéricos. No entanto, muitos problemas ainda não resolvidos e continuam afetando a sociedade, como as doenças infecciosas, crônicas e de morbimortalidade. Algumas questões estão ligadas a causas externas como violência, insatisfação com o sistema de saúde, judicialização - que demonstra o problema de cobertura -, a ineficiência e a falta de financiamento, entre outros.

“Financiamento é um tema quente também em economia. Num modelo de seguro social, é fundamental que o governo ofereça o financiamento; não necessariamente a provisão dos recursos. Isso leva a questão das concessões, da privatização e das Organizações Sociais (OSs). O tema parece interessante e deve ser estudado”, disse Armínio.

Único economista numa família de médicos, Fraga confessou que trouxe mais perguntas à plateia do que respostas. Apontou diversos tópicos sobre os quais os economistas podem ajudar na solução de problemas típicos do sistema de saúde brasileiro.

 “A questão distributiva, em que os mais pobres pagam proporcionalmente mais em todos os serviços e mercadorias, também se reflete na saúde. Não só porque a população mais pobre vive menos, mas também por enfrentarem desigualdades mais relevantes. Um pacto social, em que ricos financiam os mais pobres, ainda é necessário”, afirmou.

“Foi uma discussão muito rica. Esse é um novo tema para mim e pude anotar muita coisa e conhecer de perto da Faculdade de Medicina da USP. Entrar aqui me inspira e me motiva a abraçar esse novo mundo no qual estou mergulhando”, disse o economista, ao final da palestra.



“Atenção Primária e informação em saúde merecem mais foco”

O Dr. Dráuzio Varella ressaltou a falta de continuidade de políticas para a saúde, em especial que deem conta das doenças da velhice, e de ferramentas informacionais para a gestão do sistema. Apontou as trocas constantes de ministros e suas equipes como um "um crime" à saúde.

“A única área em que a tecnologia parece aumentar o custo final é na saúde. No entanto, os sistemas de informação em saúde poderiam otimizar a gestão. O SUS tem a proposta de entregar saúde a 210 milhões de pessoas, mas não temos noção da nossa clientela. Acho uma covardia comparar o nosso sistema com o de países avançados como Reino Unido e Holanda, que são pequenos e ricos”, comparou.

“Temos muito o que comemorar. Entregamos hemodiálise gratuita. Qual país faz isso? Temos a Estratégia Saúde da Família premiada pela ONU. A lotação nos prontos socorros, que a TV mostra diariamente, ocorre porque não acordamos para a necessidade de melhorar a Atenção Primária”, disse o Dr. Varella.

O médico fez uma enquete com a plateia perguntando quem tinha parente com diabetes e hipertensão arterial. A maior parte dos presentes levantou a mão. “Parece que perguntei quem quer aceitar Jesus”, brincou. “Não subestimem a velhice. No Brasil, 90% envelhecem mal e chegam à velhice com alguma doença crônica. Se não controlarmos essas doenças na Atenção Primária, continuaremos a lotar hospitais com infarto do miocárdio, cegueira causada por diabetes e outras complicações de doenças crônicas não tratadas”.

“Nos fóruns e debates da área, saúde fica de fora”

Problemas de financiamento e dilemas de eficiência público versus privado ocupam espaço central nas arenas de discussão do setor, ao passo que os temas de interesse da saúde ficam de fora, afirmou a professora Lígia Bahia, da UFRJ.

“Como podemos utilizar estratégias populacionais e estratégias para grupos de risco, buscando melhorar a saúde e reduzir as desigualdades? Como reduzir a circulação de caminhões que emitem substâncias que matam de asma? Como criar estratégias ao desarmamento, à redução do agrotóxico, melhorar nossas calçadas e promover a atividade física?"

A médica sanitarista e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da UFRJ, ressaltou a necessidade de o conhecimento científico virar práticas preventivas, buscando reduzir a desigualdade de populações vulneráveis. “Quando é que teremos quadras esportivas e bibliotecas em todas as escolas, por exemplo? A estrutura de desigualdade afeta a saúde. Temos um padrão que precisa ser invertido. Nossa obsessão não deve ser aumentar planos de saúde, mas reduzir a desigualdade. É um debate sobre nossa vida. São questões centrais que ficam de foram dos debates sobre saúde”, lembrou. 

“Precisamos compreender as forças sociais e políticas por trás das mudanças no setor”

O Prof. Mário Scheffer ressaltou que a escolha de um modelo de saúde tem uma dimensão política e chamou a atenção para as forças sociais que movem as mudanças na área da saúde.

“O setor privado sofreu mudanças gigantescas nos últimos 15 anos. O grupo da Rede D´Or teve um faturamento de 12 bilhões de reais, ao passo que o SUS no Rio de Janeiro contou com um orçamento de 6 bilhões de reais no mesmo período. Em São Paulo, os planos privados movimentaram 22 bilhões de reais no ano passado, ao passo que o orçamento do SUS da Capital foi de 11 bilhões nesse período”, comparou.

“Precisamos explicitar mais as dinâmicas e conflitos de interesse do setor de saúde no Brasil. Qual é o papel e o limite do sistema privado em nosso sistema de saúde? Há espaço para o privado. Mas se houver recurso público, a alocação e o acesso devem ser iguais para todos”, ressaltou.

Scheffer coordenou a realização do evento e já programa uma série com o mesmo formato. A agenda e os convidados serão divulgados ao longo dos próximos meses e em 2020. “É papel da Universidade e da FMUSP proporcionar espaço plural, crítico e reflexivo sobre problemas e desafios relacionados ao sistema de saúde e à medicina. Queremos trazer à FMUSP pessoas de outros campos de atuação e promover o encontro de pontos de vista distintos. A imensa crise pela qual passamos exige aproximações e diálogos para que possamos apontar caminhos e soluções para a saúde no Brasil", afirma Scheffer.