Num mundo globalizado, as zoonoses se tornam cada vez mais presentes no espectro de doenças humanas. A partir da pandemia de influenza aviária, organismos internacionais consolidaram uma visão holística de saúde – a chamada One Health, ou Saúde Única –, que preconiza a inter-relação indissociável entre saúde humana, animal e ambiental. O tema, debatido em mais um evento da série Café com Saúde, promovido no dia 22 de abril pela Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Estado da Saúde do Governo do Estado
de São Paulo (SES-SP), contou com palestra do professor Paulo Saldiva, titular do Departamento de Patologia da FMUSP e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP.
Com o típico olhar transdisciplinar sobre o processo de saúde e doença nas metrópoles, o Prof. Saldiva trouxe a narrativa de algumas impressões observadas em autópsias que realiza no Serviço de Verificação de Óbitos da Capital, como parte de um projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O patologista relaciona comportamentos urbanos, estruturas de serviços e de saúde oferecidas na cidade de São Paulo, processos históricos das doenças e paleomedicina, para mostrar que a responsabilidade pela saúde ou pela doença não é exclusiva do cidadão, mas do meio em que ele vive.
“Alzheimer, doenças cardiovasculares e obesidade, por exemplo, são doenças crônicas e sistêmicas as quais não conhecemos bem a biologia. Mas a partir de uma biópsia, podemos ter o entendimento não só do genoma, como também do ambiente físico, cultural e social do sujeito. Estou cada vez mais convencido de que as relações do viver e as formas como as cidades se organizam desempenham papel importante na patogenia e fazem toda a diferença no envelhecer saudável e, eventualmente, entre a vida e a morte”, disse Saldiva.
O encontro “É tempo de pensar em Saúde Única" contou também com a palestra da presidente da Comissão de Saúde Pública Veterinária do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo, Adriana Maria Lopes Vieira, médica veterinária e sanitarista formada pela USP.
Nos últimos 30 anos, 75% das doenças infecciosas em humanos são de origem zoonótica, ou seja, foram transmitidas por animais vertebrados a humanos, disse a médica veterinária. “Num mundo complexo, as políticas públicas precisam solucionar problemas locais e globais, integrando, ao mesmo tempo, a saúde humana, a saúde animal e o ambiente”, sintetiza.
A especialista mostrou uma lista de doenças que voltaram a ocorrer com grande frequência no país e que preocupam as autoridades sanitárias, entre elas, a leishmaniose, a leptospirose, a febre maculosa, o mormo, a brucelose, a tuberculose adquirida a partir de animais e a esporotricose. “Tenho dúvidas se nossos laboratórios humanos estão preparados e capacitados para esses diagnósticos. E não sabemos ainda quantos casos são perdidos sem diagnóstico”, afirmou, citando o caso de uma colega que só conseguiu diagnosticar sua doença porque era pesquisadora de laboratório e pôde levar seu diagnóstico para o médico prescrever o tratamento.
A esporotricose – micose profunda conhecida como doença dos jardineiros – acendeu o alerta do Conselho Regional de Medicina Veterinária em 2013. Segundo Adriana Maria, o Rio de Janeiro já registrou 4 mil casos humanos da doença, sendo que, no município de Guarulhos, mais de 1.000 gatos têm registro positivo para a esporotricose.
A raiva, que muitos pensam não existir mais, responde no Brasil pelo terceiro maior número de atendimentos na rede pública, com mais de 500 mil notificações por ano, segundo Boletim Epidemiológico número 30, de 2016, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
Abriu a solenidade o professor Paulo Rosssi Menezes, do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP e responsável pela Coordenadoria de Controle de Doenças, da SES-SP.
O evento foi transmitido online e as palestras já estão disponíveis na íntegra por este link.