Durante o auge da primeira onda de Covid-19, em 2020, pacientes internados no Hospital das Clínicas (HC), um dos maiores centros de referência para o tratamento da doença no país, tiveram aumento de 33% no risco de mortalidade. É o que revela um novo estudo conduzido por médicos e pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e do HC.
De acordo com a pesquisa, publicada em 28 de setembro no periódico PLOS One, esse acréscimo pode ser atribuído à enorme demanda por recursos clínicos, acima da disponibilidade do hospital.
“Sempre que o aumento na demanda por assistência ou por recursos suplanta sobremaneira a capacidade de atendimento, está configurada uma situação de desastre”, diz a Dra. Izabel Marcilio, primeira autora do estudo e médica epidemiologista que coordenou o Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Hospital das Clínicas da FMUSP (HCFMUSP) no primeiro ano da pandemia. “A Covid-19 trouxe um desafio maior ainda, já que os pacientes acometidos pela doença necessitavam de terapia intensiva e uma grande proporção deles chegavam ao HCFMUSP demandando suporte ventilatório, hemodiálise, dentre outras terapias avançadas.”
Diante desse aumento global e sem precedentes na demanda dos hospitais, a Dra. Marcilio relata que passou a observar maior demora para o pronto atendimento, profissionais exaustos e limitação de insumos em toda a rede de assistência à saúde da cidade de São Paulo (das UPAS, às ambulâncias, aos hospitais públicos e privados). Ao analisar os casos de 2.949 pacientes com Covid-19 no HCFMUSP, o novo estudo verificou que ser internado no hospital durante o pico da primeira onda foi associado a um risco 33% maior de mortalidade.
Para a pesquisadora, isso revela um paradigma mais amplo. “Esses achados podem ser extrapolados para outros centros médicos não só do país, mas também mundialmente”, diz. “O que o nosso estudo mostrou é que, dentro de uma mesma Instituição - ou seja, onde a qualidade de assistência está uniformizada - mesmo após controlar para outros fatores de risco, como idade, sexo e comorbidades, o risco de mortalidade foi maior.”
Por consequência, a pandemia reforçou a necessidade de protocolos institucionais que incluam práticas baseadas em evidências e alocação de recursos. Para o Prof. Nelson Gouveia, coautor do estudo e docente do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP, “isso orienta todos do serviço de saúde, desde o corpo clínico, técnicos e pessoal de apoio para terem uma resposta mais efetiva e de maneira mais rápida”.
Nessa mesma linha, a Dra. Izabel Marcilio observa que “em todo o mundo, os melhores resultados foram obtidos nos países onde um plano de preparação e resposta existia”. No caso do HCFMUSP, o sistema de Comitê de Crise ligado à Diretoria Clínica já existia, tendo sido acionado em outras situações de emergência. “Por isso, foi o hospital da rede pública no Estado de São Paulo que primeiro conseguiu responder à pandemia, com a abertura de 300 leitos de UTI em tempo recorde”, aponta.
Durante o período, o HC transformou seu maior instituto de internação - o Instituto Central - em um hospital inteiramente dedicado à assistência à Covid- 19. Para tanto, foi necessário realizar parcerias, contratar e treinar pessoal, desenhar fluxos de assistência, adquirir recursos materiais, além de outras ações que apesar do ineditismo da situação, puderam ser efetivadas graças ao preparo institucional. “A despeito da situação trágica que a pandemia representou, foi uma história de sucesso que deve dar orgulho às pessoas que estiveram diretamente envolvidas”, diz a Dra. Marcilio. “Sem dúvida, ter um Comitê de Crise preparado para responder rapidamente a situações de emergência é fundamental para mitigar o risco e evitar óbitos.”