Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da USP

Manoel Jacobsen Teixeira

A história do atual Serviço de Neurocirurgia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo tem seu início conjuntamente com as origens do Departamento de Neurologia. Este, começou historicamente em março de 1925, quando foi contratado o Professor Enjolras Vampré para a regência da Cátedra VII então chamada de Clínica Psychiatrica e Neutriátrica da Faculdade de Medicina de São Paulo. Essa Cadeira foi desdobrada em duas outras Cátedras: Clínica Psiquiátrica (assumida pelo Prof. Dr. A.C. Pacheco e Silva) e a de Clínica Neurológica (assumida pelo Prof. Dr. Adherbal Tolosa em dezembro de 1938), sendo ambas transformadas em Departamentos em 1962.

Uma reforma universitária precipitada-mente implantada em 1969, veio reunir novamente, e de forma compulsória, estes dois Departamentos num só: o Departamento de Neuropsiquiatria, criando uma situação anômala que somente em junho de 1986 foi novamente desmembrado, com autono-mia e recriação dos dois Departa-mentos.

A história do Departamento de Neurologia é objeto de outro artigo desta publicação, cumprindo ressaltar, entretanto, um marco histórico importante, que foi o da mudança e transferência da Clínica Neurológica, em princípios de 1945, da Santa Casa de Misericórdia para o Hospital das Clínicas de São Paulo, sendo inicialmente instalada, com sua biblioteca e enfermaria, no segundo pavimento do hoje Instituto Central. Em fins de 1952 houve mudança de todo o Serviço para o atual quinto andar, ora em reforma, o que veio permitir a união, numa mesma área, dos vários setores da Clínica, integrando-se, nessa época, também a NEUROCIRURGIA no bloco neurológico.

O início da Clínica Neurológica nos moldes atuais, iniciou-se em 1939, ainda na Santa Casa, com a reorganização do corpo de assistentes, com Oswaldo Lange – durante várias décadas considerado o esteio do serviço – como 1º assistente chefe de Clínica e Carlos Gama, 2º assistente neurocirurgião – pioneiro da Neuro-cirurgia do Estado de São Paulo. A eles se juntou o clínico Oswaldo Julião como 2º assistente. Novos assistentes voluntários foram se agregando ao Serviço com atribuições determinadas, inclusive o iniciante neurocirurgião Rolando Ângelo Tenuto. A saída do neurocirurgião responsável pelo Serviço da nova especialidade cirúrgica – o Dr. Carlos Gama – após conquista da Cátedra de Neurologia da Faculdade de Medicina da Bahia, à época da inauguração do Hospital das Clínicas, recém-construído, trouxe para este novo nosocômio o Dr. Rolando Tenuto e Dr. Sylvio Forjaz, o último mais tarde conduzido à chefia de Neurocirurgia da nova Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Permaneceu no Hospital das Clínicas o Dr. Rolando Tenuto, pioneiro e fundador do Serviço de Neurocirurgia neste hospital, nova especialidade que começava a dar seus primeiros passos na cidade de São Paulo, ainda desprovida dos modernos recursos técnicos e de diagnóstico que hoje a fazem uma das especialidades que mais inovações têm recebido da ciência e da tecnologia na última década. Estatísticas dessa época de pioneirismo e de muitas dificuldades, demonstram que em 1939, quando esse serviço ensaiava seus primeiros passos, apenas 60 cirurgias foram efetuadas, caindo para 32 intervenções em 1940. Em 1941, 1942 e 1943, 56, 92 e 97 cirurgias foram realizadas respectivamente. Desde então esse número vem aumentando em progressão aritmética, traduzindo-se em milhares de intervenções neuro-cirúrgicas realizadas anualmente naquele hospital, tanto nos seus vários setores como no Serviço de Emergência do Pronto Socorro, a maior parte de grande porte. Este último apêndice, vem se destacando particularmente pelo grande crescimento, em virtude da enorme demanda das emergências neurológicas e neurocirúrgicas na Grande São Paulo, tendo triplicado seu número de plantonistas desde sua criação.

Em 1967, Rolando Tenuto, Antonio Lefrèvre e Lamartine de Assis tornaram-se professores de suas disciplinas por concurso de títulos, funções depois abolidas e transformadas nas de Professor-Adjunto.

Com a aposentadoria de Adherbal Tolosa, como último catedrático, teve início um período de 20 anos, que se caracterizou por grande ampliação do número de médicos integrantes da Clínica Neurológica, atingindo o expressivo número de 112 médicos, que aumentou ainda com a função desse Departamento com a Divisão de Neurocirurgia Funcional do Hospital das Clínicas em 1990. Em setembro de 1971 Horácio M. Canelas concorreu à vaga de Tolosa, sendo sucedido por Lefrèvre – desaparecido precocemente – e depois por Antonio Spina-França e, 1982 e por Milberto Scaff em 1990. Em abril desse mesmo ano, foi constituída a primeira vaga para o cargo de Professor Titular da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, para ele concorrendo o então chefe do Serviço, Dr. Gilberto Machado de Almeida e o Dr. Raul Marino Junior, chefe da Divisão de Neurocirurgia Funcional do Hospital das Clínicas. Cumpre notar que, após o constrangedor desaparecimento prematuro do fundador de nossa neurocirurgia – Dr. Rolando Tenuto – em 1973, data lutuosa em que perdemos no mesmo ano o Prof. Tolosa, Oswaldo Julião e nosso pioneiro Rolando Tenuto, acometido de insidiosa moléstia que o acometera em 1970. Entre 1970 e 1974 o serviço foi temporariamente chefiado por José Zaclis, pioneiro da neurorradiologia em nosso meio, até a nomeação do Dr. Gilberto Machado de Almeida, que a exerceu até a criação da nova Disciplina em 1989, data da abertura para o Concurso de Titular em Neurocirurgia. A chefia do Serviço de Emergência do Pronto Socorro foi exercida por longos anos pelo Dr. Oswaldo Ricciardi Cruz, cargo que em 1974 transferiu para os Drs. Walter Carlos Pereira e depois para o Dr. Luiz Alcides Manreza, que o exerce até o momento.

Em 1971, juntamente com os grandes progressos tecnológicos a que vinha sendo submetida a Neurocirurgia mundial, foi criado, na Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas, pelo Dr. Raul Marino Junior, que se desligava como plantonista do Serviço de Neurocirurgia de Emergência, e Preceptor de Neurocirurgia, o primeiro Serviço de Neurocirurgia Funcional em nosso meio, destinado ao estudo e pesquisa das funções superiores do cérebro humano e suas aplicações na cirurgia das epilepsias, da dor, dos movimentos anormais, das alterações neuroendócrinas na cirurgia da hipófise, na estereotaxia e na psico-cirurgia. Permaneceu no serviço, ainda durante vários anos, o Dr. Públio Salles Silva, que o havia idealizado. Ali instalou-se uma equipe multidisciplinar composta de neurocirurgiões, eletren-cefalografistas, engenheiros, biomédicos, neuropsicólogos, neurólogos, psiquiatras, bioquímicos, técnicos de laboratório e enfermagem especializada. A inaugura-ção oficial dessa Divisão deu-se em junho de 1978, com a presença de vários cientistas internacionais como Walle Nauta, Pedro Molina-Negro, Blaine Nashold, Ayub Ommaya, Thomas Ballantine, Sixto Obrador, Gabor Szikla, Jules Hardy, Jean Sigfried, Gilles Bèrtrand, Philip Gildenberg, John Tew, Laughin Taylor, Heitaro Narabayashi e Theodore Rasmussen, cujos trabalhos apresen-tados no Anfiteatro da Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas foram reunidos em livro intitulado FUNCTIONAL NEUROSURGERY (Raver Press, New York, 1979), que veio a constituir o primeiro tratado sobre Neurocirurgia Funcional publicado na literatura médica, pioneiro em ter enfeixado, pela primeira vez, todos os capítulos desse nascente especialidade em um só livro de 17 capítulos.

Ao assumir o cargo de primeiro Professor Titular da recém-criada Disciplina de Neurocirurgia, após concurso realizado em abril de 1990, o professor Raul Marino Junior estabeleceu um amalgamento da Divisão de Neurocirurgia Funcional com a Divisão de Clínica Neurológica e seus Serviços de Neurocirurgia de urgência e de Neurocirurgia, de forma a integrar todos esses setores dentro de um trabalho cooperativo mais próximo, trazendo para a clínica neurológica mais espaço, laboratórios e mais pessoal especiali-zado, que se encontrava alocado no edifício da Clínica Psiquiátrica do Hospital das Clínicas.

Dessa integração renasceu a idéia da construção do Instituto do Cérebro (INCER), entidade criada juntamente com a do Instituto do Coração (INCOR), no cérebro brilhante de Onadyr Marcondes, a qual já consta do Regulamento do Hospital das Clínicas e do Estatuto da Universidade de São Paulo. Esse projeto encontra-se em andamento desde a titularidade dos Professores Raul Marino Junior e Milberto Scaff em 1990, atendendo à grande demanda de pacientes neurológicos e neurocirúrgicos (acima de 70% das emergências do Hospital das Clínicas) que nosso hospital vem recebendo nos últimos anos. O grande desenvolvimento tecnológico da neurorradiologia, da ressonância magnética, dos tomógrafos, dos PET scanners e outros meios diagnósticos, tem possibilitado o diagnóstico e o tratamento neurocirúrgico de um sem número de afecções que há poucos anos não eram sequer diagnosticados.

A tecnologia espacial e o computador têm se incorporado à neurocirurgia, juntamente com os progressos da biologia molecular, da neuroimunologia, da quimioterapia, da neuroncologia, da neurendoscopia e da radiocirurgia e da estereotaxia, tornando possíveis intervenções neurocirúrgicas minima-mente invasivas, cujas possibilidades sequer sonhávamos há uma década atrás.

Esses progressos passam a demandar um maior número de super-especialistas, associados a físicos, matemáticos, radiologistas interven-cionais e um exército de técnicos bem treinados, a fim de que a patologia do sistema nervoso, que antigamente – nos tempos das Santas Casas – eram consideradas intocáveis, e que hoje podem ser tratadas ambulatoriamente, como no caso das Radiocirurgias estereotáxicas, em que uma malforma-ção arteriovenosa profunda ou uma metástase cerebral é tratada com uma única aplicação ambulatorial de um acelerador linear, estereotaxicamente, em poucas horas o paciente encontrando-se em sua residência.

A demanda desses casos tem crescido geometricamente, e um grande centro hospitalar universitário como o Hospital das Clínicas, necessita estar preparado e aparelhado para fazer frente ao ensino e atendimento dessas novas aquisições, se não quiser ver-se alijado em relação aos maiores centros do primeiro mundo. Essa a razão de nosso empenho na criação de um novo centro de excelência, onde possa haver a congregação de todas essas novas especialidades dos inúmeros e nascentes campos das neurociências: um novo Instituto que virá enriquecer ainda mais nossa capacidade de curar e de ensinar.



Veja também