Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP

A Patologia na FMUSP, até 1950



Prof. Dr. Heitor Franco de Andrade Jr.
Professor Associado do Departamento de Patologia

A Faculdades de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro foram criadas em 1808 por Dom João VI e apesar da intensa demanda por médicos, o mercado profissional e o tipo de administração existente impedia o surgimento de novas escolas médicas ou universidades, forçando a importação de médicos. Com a República e o subsequente fortalecimento do modelo federativo, universidades estaduais foram pleiteadas para ampliar a massa crítica, principalmente com os recursos advindos da cafeicultura. Tudo isto ocorre no meio de enormes desenvolvimentos científicos e de grande impacto social, com grande participação da imprensa local e uma política independente estadual. Por exemplo, em 1910, Ribas acreditava que o alastrim era uma doença diferente da varíola e Carini, do Instituto Bacteriológico, prova por histologia das vesículas que as duas doenças eram iguais, com grande acompanhamento jornalístico pelo o Estado de São Paulo, firmando a produção coletiva especializada como geradora de conhecimento coletivo e resultando em apoio maciço ao desenvolvimento universitário no Estado. 

A Faculdade de Medicina da USP foi implementada a partir de 1912 e a Patologia era vista então como um conjunto de disciplinas essenciais, ministradas antes da intervenção clínica dos alunos, juntando todas as ciências essências como anatomia patológica, histologia, fisiologia, bioquímica ou patologia clínica, imunologia e o isolamento de patógenos, como microbiologia e parasitologia, todas ciências nascentes. Como não havia professores, foram utilizados professores europeus. O primeiro professor foi Antonio Carini, já consagrado, para microbiologia e parasitologia, Lambert Mayer para fisiologia e Walther Haberfeld para a Anatomia Patológica. Eles eram os responsáveis pela formação básica dos alunos, ministrando todo o conjunto de anatomia patológica, patologia geral, microbiologia e parasitologia, imunologia e fisiologia, ou seja, tudo, dentro do conceito europeu de professores magistrais e livros textos franceses em geral. Nesse momento, professores jovens e alunos promissores são incorporados como docentes auxiliares ou preparadores, como Alessandro Donati e Ludgero da Cunha Mota, mas ainda dentro do modelo de formação universitária europeia centralizada na cátedra. 

No início do século XX, a Medicina norte-americana estava em formação e a elite americana opta pelo financiamento de um modelo padronizado de educação médica, baseado em princípios de ensino e não no saber dos professores, um conceito completamente diferente do modelo europeu. Várias entidades filantrópicas, como a Dale Carnegie e a Rockefeller seguem os conceitos de educação médica de Abraham Flexner, com a padronização do ensino e da qualidade do médico formado. No mesmo período, reaparece o conceito da América para os americanos com intenções expansionistas para o continente. 

Em 1918, firma-se um convenio entre a Faculdade de Medicina e a Fundação Rockefeller, pela gestão de Samuel Taylor Darling e Adolfo Carlos Lindenberg, para vinda de professores estrangeiros e construção de prédio próprio, seguindo este novo modelo. Estes professores, como Oscar Klotz e Robert Archibald Lambert, eram orientadores de docentes, voltado para a formação de um corpo próprio local, inclusive com intercambio cientifico e de treinamento como aconteceu com Alexandrino Morais Pedroso, que assumiu o Departamento com a volta do Prof. Klotz ao Canadá, e Ludgero da Cunha Mota, até então preparadores contratados. Nessa época, o modelo flexneriano mais flexível de departamento se repercute na organização da FMUSP, gerando Departamentos com cátedras, num modelo hibrido.  No prédio em construção, são determinadas áreas especificas para 08 departamentos de cadeiras pré-clínicas, onde se destaca o de Anatomia Patológica no primeiro andar. Ou seja, a Rockefeller garantia pela arquitetura o espaço para as disciplinas no modelo flexneriano. 

A construção e ocupação do prédio da Faculdade em 1931, já com Cunha Mota professor, equipado pela absorção da Seção de Anatomia patológica do então Instituto Bacteriológico hoje Instituto Adolfo Lutz, leva a formação contínua de novos especialistas e pessoal técnico, consolidando a Patologia no Brasil. A demanda do mercado profissional, a competição interna e o surgimento de novas universidades públicas em outros estados e municípios leva a migração de muitos profissionais formados para outras áreas e a um continuo crescimento de massa crítica nacional, com a formação de novos núcleos competitivos em produção do conhecimento em Patologia em hospitais e novas universidades. Sua descrição nominal seria enfadonha e os interessados podem consultar o quadro de evolução temporal do departamento em anexo (quadro 1), com a respectiva biografia de cada participante do processo. Do ponto de vista local, Cunha Mota era um excelente gestor e promoveu a construção do Hospital da Clinicas, um compromisso assumido com a Fundação Rockefeller há muitas décadas, concluído em 1944. Isso permitiu um rápido crescimento e absorção de profissionais especializados, agora patologistas, uma especialidade médica muito artística na época, já que a preparação microscópica tinha poucas ferramentas auxiliares, apenas a histoquímica. Esta arte baseava-se na observação do maior número possível de preparados por expertos de patologia de um determinado órgão, gerando a criação de subespecialidades em patologia, (quadro 2), hoje um quadro comum.